A orelha perdida de Van Gogh
Apesar de menos sexualizada do que o seio humano, a orelha tem com ele uma característica em comum: a permanência. Se durante o sono ou em estado de inconsciência todos os nossos outros sentidos suspendem o seu funcionamento, o ouvido continua a trabalhar. A orelha que Van Gogh perdeu num campo de girassóis holandês e foi roubada depois pelo cinema – com o filme “Blue Velvet”, de David Lynch – à voragem das formigas, está viva e ouve ainda. O seu poder simbólico, para utilizar a terminologia de Pierre Bourdieu, reside até na sua maior abstracção. Tanto assim que melhor uso faz a música dela do que a literatura e as artes visuais. Designadamente, a música que compõe puzzles trocando o lugar das suas partes, porque a tal convida uma orelha que é a metonímia de todo um corpo. A Orelha Perdida de Van Gogh fala de uma nova unidade, noção esta de unidade que pressupõe a existência de múltiplos. Confira-se o que dizia Platão: «Em toda a figura geométrica, em toda a combinação ordenada de nomes, bem como em toda a combinação musical sem excepção e em toda a harmonia das revoluções siderais, em tudo o que existe de maneira geral, a unidade manifesta-se àquele que se instrui.»
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