Sobre “Labirinto” (Phonogram Unit, 2024), bem que se pode dizer que é um álbum de renascimento. Jorge Nuno tivera uma síncope cardíaca no final de 2022 e no início do ano seguinte foi submetido a uma cirurgia ao coração. O seu problema de saúde foi como que um separador de águas: para trás deixou os anos de trabalho com a banda mista de stoner e psicadélica Signs of the Silhouette, as suas incursões pelo free rock com Uivo Zebra e Dead Vortex e as que começara a desenvolver nos domínios da música livremente improvisada com a sua guitarra eléctrica, entrando, inclusive, em situações noise. Veio o foco na guitarra acústica que este disco documenta e um novo interesse processual e estético: a desconstrução. Melhor: o desconstrucionismo, porque de toda uma filosofia operativa se trata.
Não que tivesse feito uma ruptura com o passado. Tudo o que aqui vem estava pressuposto no seu trabalho anterior, mas se se percebia então que faltava dar o passo que ia sendo sugerido, a grande surpresa foi a mudança de instrumento – esse passo adiante, julgava eu, acabaria por acontecer mais tarde ou mais cedo, mas nada me fazia esperar um Jorge Nuno acústico. O som deste conotava-se com a distorção, o feedback, o volume, a energia, o tipo de estridência do rock eléctrico. Reencontrar o músico, depois das tribulações que quase lhe arriscaram a vida, nestoutro plano mais despojado foi finalmente perceber o que se escondia por trás dos muros sónicos que erguia. Nesse aspecto, o tema “Esfera” é exemplar: as suas fórmulas e figuras de blues-folk como que são esculpidas a partir de um bloco de pedra sem forma. Por meio da improvisação, e com abordagens experimentais e de pesquisa das possibilidades da guitarra clássica, Jorge Nuno escava mesmo a essência rural, aquela do Delta negro e a das montanhas red neck, o idioma-base, do rock. É como se o que fez antes se iluminasse agora.
É a faixa-título, “Labirinto”, que de qualquer modo “explica” o disco. E o que explica é isto: em vez de pisar os terrenos estabelecidos para a improvisação guitarrística acústica que foram definidos por um Derek Bailey ou por um John Russell, os seus primeiros desconstrucionistas, Jorge Nuno estabelece um novo panorama e até técnicas que são indubitavelmente suas. Há um mesmo sentido de filigranagem e um mesmo jogo de encadeamentos labirínticos, com sons a dispararem em todas as direcções, mas o guitarrista português restitui a prática à sua vernacularidade fundadora. É compreensível: Bailey e Russell procederam aos cortes epistemológicos necessários para que a guitarra tivesse um lugar na “nova música improvisada”, tirando-lhe os idiomas. Conseguida essa posição, Jorge Nuno religa os pontos perdidos, vai em busca do que esta música sequencia da anterior, a que deu uma linguagem histórica ao instrumento. Não foi o primeiro a fazê-lo, claro, veio depois de Loren Mazzacane Connors e Jim O’Rourke, mas acrescenta-lhe algo mais e algo de pessoal.
Ainda bem que o músico da máscara branca (era assim que se apresentava nos concertos dos Signs of the Silhouette) a tirou para mostrar o seu verdadeiro rosto. Que o coração lhe bata…